SACADA CULTURAL –
PROGRAMA “FALA DOUTOR”
THE BEATLES
Vivíamos a década de 1960. Tempos
de golpes. Sim golpes, com “s”, no plural.
Começando por 1961 quando
militares, porta-vozes do grande empresariado e de uma horda direitista e conservadora,
daquele tipo família, tradição e propriedade, assolavam o país e tentaram
impedir a posse de João Goulart, após a renúncia de Jânio Quadros; aquele que
foi eleito se utilizando da vassoura como símbolo para varrer a corrupção no
Brasil. Mais um canto de sereia sobre combate a corrupção, vai vendo... E se
não conseguiram dar o golpe neste ano, devemos à “campanha da legalidade”,
desencadeada por Leonel Brizola, a partir do Palácio Piratininga, sede do
Governo do Rio Grande Sul.
Grande Brizola!
Emas não demorou muito até que em 1964 o mundo desabou para os
progressistas e democratas aqui no Brasil. A partir daí o pau comeu. Foram
milhares de pessoas presas, torturadas e mortas. Muitos artistas, intelectuais
e cientistas foram morar no exterior por falta de condições de sobreviver no país,
quanto mais trabalhar, produzir ciência e criar arte. Impossível!
E não foi só aqui no Brasil, não.
Esses movimentos sempre têm características mundiais. E evoluem como ondas. A
América Latina foi tomada de ditadorezinhos de republiquetas de bananas,
extremamente autoritários e violentos.
Mas à medida que o fogo ia
crescendo mais a água ia fervendo. A resistência se organizava. E foi assim em
todo o mundo.
Terceira lei de Newton: “A toda
ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade: as ações mútuas de
dois corpos um sobre o outro são sempre iguais e dirigidas em sentidos
opostos”. Sim. Esse é um dos princípios básicos da mecânica clássica, mas coube
aqui como uma luva.
O fato é que houve uma reação, quase
que imediata.
Surgiram grupos armados, muitos
deles inspirados nos barbudos de Sierra Maestra que tomaram Havana e toda Cuba
à base de fuzil e canhão; e outros, inspirados nos cabeludos pacifistas, do “faça
amor, não faça a guerra”, da contracultura dos hippies. Eram tempos também de
rebeldia.
Eram tempos de luta por direitos
civis, pela liberação sexual permitida pela descoberta da pílula, contra a
guerra do Vietnam, contra as ditaduras militares, contra o autoritarismo e a
opressão.
“Parem o mundo que eu quero
descer” ...
“É proibido proibir”.
A juventude saiu às ruas para
lutar, dançar, cantar. Para atirar -boom, e fazer arte, yeah, yeah, yeah.
Do lado dos cabeludos, surgem os
Beatles, aqui a Jovem Guarda e, em seguida, a Tropicália, a Bossa Nova, o Clube
da esquina.
Uns “chatos de galocha”, daquele
tipo que fica procurando o politicamente incorreto em tudo, dizem que a Jovem
Guarda era subproduto da Ditadura Militar. Era nada. Eram meninas e meninos do
subúrbio carioca que apesar de não assumirem um discurso formal contra ditadura
e contra o sistema, como já era claro no movimento de contra cultura no mundo,
traziam a estética das roupas coloridas e dos cabelos compridos, ao contrário dos
jovens que criavam a Bossa Nova, um movimento musical muito mais sofisticado, surgido
em apartamentos de Ipanema no do Rio de Janeiro e que depois ganhou o mundo.
E por falar em ganhar o mundo.
Você já pensou aquela época estar frente a frente com os caras dos Beatles. No
auge da carreira deles? Meu deus, hein! Essa dá pra tremer as pernas.
Aconteceu o seguinte. Existia em
São Paulo um grupo chamado The Jordans. Os caras eram da Mooca e começaram a
tocar no final da década de 50. O grupo era formado por Aladdin, (guitarra),
Sival (também guitarra), Foguinho (bateria), Tony (baixo) Irupê (saxofone) e
Mingo (guitarra). E les faziam muito sucesso aqui em São Paulo, até que em
1967, foram convidados a se apresentarem na Itália, com possibilidades desta
tournê se estender por outros países pela Europa. Numa loja na Espanha deram de
cara com um de seus discos, cuja gravadora, a Copacabana, uma das maiores da
época, se não a maior, não tinha comentado nada com eles sobre o lançamento de
uma de seus discos em espanhol. Certamente que o resultado dessas vendas não
seria repassado para os músicos. Eles então compraram alguns desses discos para
quando chegassem ao Brasil mostrarem a seus produtores e negociarem seus
pagamentos.
Com muito pouca grana, chegaram
em Londres com muita fome. Eram umas 4 a 5 horas da tarde, e entraram num
restaurante bem simples, onde não tinha ninguém almoçando. Até que o Irupê,
saxofonista, ao retornar do banheiro, comentou com seus amigos que tinha visto,
em outro salão do restaurante, um cara parecido com o Ringo. Todos riram e
imaginaram que deveria ser um sósia. Mas em pouco tempo, passaram por eles uns
quatros caras saindo do restaurante. Os brasileiros, cada um olhou para outro e
imaginaram: quatro sósias dos Beatles juntos, não é possível!
Completamente estarrecidos
chegaram à conclusão de que eram realmente os Beatles.
Eles os seguiram com os olhos e
os viram entrando num prédio do outro lado da rua. Ah, não pensaram duas vezes.
Largaram tudo e foram atrás. Bateram na porta e foram atendidos por John
Lennon, que muito solícito os convidou a entrar. John Lennon te recebendo à
porta. Imagina, que inusitado!
E isso tudo está gravado. O Tony,
baixista do grupo estava com uma máquina super 8 e gravou alguns poucos minutos
em filme preto e branco e mudo, o que serviu como prova marcante de um dos
momentos mais pitoresco do Rock e da música brasileira, momento em que o
Foguinho, baterista, ensinou ao Ringo Star como tocar bossa nova!
Com um grande detalhe, os
brasileiros dos Jordans foram presenteados por autógrafos de Paul McCartney,
George Harrison, John Lennon e Ringo Star e estes foram retribuídos com um
disco, também autografo, dos Jordans.
E como diz Aladdin, guitarrista,
todo o mundo tem um disco dos Beatles em casa e os Beatles tem um disco dos
Jordans!
Que década foi essa! 1960. O mundo
se levantou em rebeldia, contra a guerra, a opressão e ao autoritarismo.
Enquanto a ditadura militar no
Brasil aprofundava seu poder ditatorial, reagíamos com movimentos culturais e
artísticos, como a Jovem Guarda, a Bossa Nova, a Tropicália e com o Clube da Esquina,
todos eles tendo como referência a música e a irreverência dos Beatles.
Os cabeludos e os barbudos
venceram, sejam com os fuzis ou com artes.
Viva a rebeldia. Viva a música.
Viva a liberdade!
Marcio Aurelio Soares,
em 09 de fevereiro de 2021
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