Apertem os cintos, os médicos sumiram!


Os jornais reportam, recorrentemente, matérias que destacam a falta de médicos nos prontos-socorros e hospitais da região. Não tenho certeza se o fenômeno é local, estadual ou nacional. A realidade com a qual vivemos é: faltam médicos, sobram pacientes.

Dias desses, passei na porta de um pronto-socorro e resolvi entrar. Não sentia algum problema de saúde premente ou mesmo dor de dente. Nada disso. Senti, sim, uma pontinha de saudade daquele lugar. Éramos felizes e não sabíamos, depois conclui. Trabalhara naquela unidade de saúde há uns bons anos.

Logo à entrada, na recepção ainda, encontrei muita gente reunida. Tive a impressão que se tratava de festa para São Cosme e São Damião, mas ao invés de balas e doces, comuns na tradição dos santos católicos, esperavam atendimento médico.

Olhei, com mais cuidado, e não vi ninguém com o semblante indicando dor aguda, se contorcendo ou sangrando. Questionei-me se naquele lugar ainda funcionava um pronto-socorro, ou seja, um lugar que presta atendimento médico de casos urgentes e emergentes. Só para lembrar, segundo o dicionário, urgência é significa “pressa, brevidade, necessidade imediata” e emergência “algo inadiável, iminente, situação crítica, de perigo, imprevista”.

Não foi isso o que observei. Conversei com os funcionários, apressados pelo excesso de trabalho, e quando perguntei sobre a enorme fila, a resposta foi uníssona: a população cresceu muito!

Quantos ali presentes tinham necessidades urgentes para serem atendidas? Qual o crescimento da população? As respostas são simples. Pouquíssimos tinham necessidades urgentes e, portanto, não deviam estar naquele serviço. E, pasmem senhores, a população de Santos não cresce desde a década de 80!

Por que, então, a saúde na cidade representa o calcanhar de Aquiles de qualquer Prefeito? Porque falta planejamento.

Falta entender que saúde é resultado de boas condições de moradia, educação, segurança e transporte digno. Falta entender, também, que assistência médica se faz a partir do entendimento das necessidades, que exige amplo levantamento, tecnicamente chamado de diagnóstico de saúde e epidemiológico da região.

Deve-se entender qual a procedência destes pacientes, para onde são encaminhados após o atendimento inicial, quais os principais motivos que os fazem procurar unidades de saúde ambulatoriais ou de urgência, quantos profissionais e suas especialidades são necessários para atender esta demanda. Deve ficar claro o papel social dos profissionais de saúde, quer sejam médicos, enfermeiros e administrativos. Talvez falte, ainda, vontade política.

Enfim, um amplo diagnóstico deve ser feito e muito trabalho há para ser realizado. Os princípios técnicos estão disponíveis, não são mais segredo para ninguém. A informática está acessível ao serviço público e a implantação tecnológica deve ser prioritária. Sem informação não existe planejamento, máxima conhecida por qualquer estudante universitário, e será com ela que a próxima administração municipal deverá trabalhar.

Construindo uma cidade saudável


Recentemente, o Programa das Nações Unidas para assentamentos humanos (ONU-HABITAT) lançou o relatório “A Prosperidade das Cidades”. No documento, fica clara a necessidade das pessoas envolvidas com o trabalho de desenvolvimento de explorar noções mais abrangentes de prosperidade e desenvolvimento. O ONU-HABITAT defende um novo tipo de cidade: a cidade do século 21, centrada nas pessoas, mais resiliente e harmoniosa. Para ajudar os tomadores de decisão a criar políticas claras de intervenções nos municípios, identificar oportunidades e áreas potenciais para a prosperidade, foi criado o “Índice de Prosperidade da Cidade”, que mostra o desempenho das cidades em cinco áreas chave: produtividade, infraestrutura, igualdade, qualidade de vida e sustentabilidade ambiental.

Estes são esforços de especialistas de todo mundo em criar um ambiente saudável de convivência entre pessoas que residem em espaços urbanos já saturados, com altas densidades demográficas, onde o senso comum às relaciona à criminalidade, agressividade, trânsito caótico, baixa expectativa de vida, etc.

Quando pensamos em cidade saudável, nos vem à mente uma cidadezinha do interior, a pracinha, o riacho. Mas o que é saudabilidade de uma cidade? A cidade é feita de pessoas, que lá vivem, cujas características emocionais e, até o sotaque, é determinado, em boa medida, pelo lugar onde ela esta inserida. Os mineiros das montanhas das gerais falam “uai”; o paulistano, da garoa, é mais introspectivo; o baiano, da quente e calorosa Salvador, fala mole e cheio mandinga. Assim, a localização geográfica vai impondo características às pessoas, que, por sua vez, constituem o espaço urbano.

Do ponto de vista histórico, somos um país jovem, de formação urbana recente. O que não impede de termos mais de 50% da população habitando centros urbanos. Sem planejamento, o brasileiro ocupou as cidades desordenadamente. Com municípios saturados, os mais pobres se fixaram na periferia, na maioria das vezes em situações de alta vulnerabilidade. Distantes do centro, o deslocamento dos cidadãos para os locais de trabalho exigiram transporte, construção de escolas, creches, postos de saúde, entre outros.

Hoje estamos diante do grande desafio da construção de uma cidade saudável para o século 21. O cidadão deve estar no foco principal, mobilidade deve ser preservada, assistência médica e educação devem estar próximas aos locais de moradia.

Não é uma tarefa fácil. Copenhague, capital da Dinamarca, está atingindo esse patamar. Espera-se, até 2025, zerar a emissão de gás carbônico, trabalham fortemente na redução do número de carros e privilegiam ciclovias, famosas no mundo todo por apresentarem diversas possibilidades de deslocamento, permite, assim, que mais da metade dos moradores vá de bicicleta ao trabalho.

Cidade saudável não é mais sinônimo obrigatório de pracinhas e riachos, mas aquela em que pessoas são prioridades, na saúde, educação, transporte, moradia e lazer.

A cidade saudável deve ser o local em que vivemos e é nesta direção que devemos trabalhar.

Santos 2020


São Paulo apresentou projeto urbanístico chamado SP 2040, que prevê construção de uma cidade mais saudável nas próximas décadas. Baseada nos princípios recentemente divulgados pelo programa de Assentamentos Urbanos da ONU (ONU-HABITAT), impõe a necessidade da elaboração de planejamento urbanístico voltado às pessoas, partindo de princípios de boa gestão pública e decisões democráticas. Deve-se, assim, maximizar os benefícios sociais e atenuar os potenciais impactos negativos de cidades com alta densidade demográfica.

Foram realizadas inúmeras reuniões técnicas e audiências públicas, com a participação de mais de 25 mil pessoas no processo. São Paulo se mostra disposta a dar uma guinada em meio ao seu caos urbano, gerador de desigualdades, doenças biológicas e sociais. O projeto SP 2040 pretende garantir a todo morador um trajeto de casa para o trabalho de, em média, 30 minutos. Outras ações são integrar rios à cidade e à sua paisagem, melhorar a qualidade de vida nas favelas e regiões de risco, garantir que cada morador tenha acesso a áreas verde em, pelo menos, 15 minutos a pé de sua casa. Outro objetivo é criar polos de oportunidade descentralizados facilitando os deslocamentos de trabalhadores.

Trazendo este conceito para nossa realidade, Santos tem alta densidade demográfica e seus indicadores sociais estão muito aquém de sua grandeza econômica. Em relatório divulgado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), 46% das habitações em encostas estão classificadas como de risco para seus moradores. Nos últimos 10 anos, a população residente em regiões de alta vulnerabilidade cresceu em 79,1%. Engarrafamentos já fazem parte de nossa rotina e as políticas públicas na área de habitação estão longe de privilegiar a população menos favorecida.

Para a construção da “Cidade do Século XXI”, como quer a ONU, o planejamento deve garantir oferta futura de terra adequadamente planejada, com soluções acessíveis de desenvolvimento. Redução do risco de assentamentos informais espontâneos (leia-se: favelas). Atenuação dos efeitos do crescimento urbano e especulação da terra. Otimização do uso da terra e aproximação da população com oportunidade de emprego. Menos consumo de energia e menor emissão de carbono. Maximização do uso de infraestrutura existente e desenvolvimento de novas alternativas, de forma que compense os custos.

Diante das dimensões de nossos problemas e havendo vontade política, em oito anos viveremos em uma nova e revigorada Santos. Até lá!

Por que devemos votar?


As eleições municipais terminaram há mais de dois meses. Os prefeitos e vereadores que comandarão as cidades brasileiras até 2016 já estão definidos. Muitos partidos ganharam, outros perderam. Uns subiram, outros desceram. Políticos foram glorificados, outros nem tanto. Tudo muito comum, em se tratando de eleições.

O fato novo deste pleito foi o alto índice de abstenções. Em todo o país, o índice chegou a 16,41% no primeiro turno. Já no segundo turno, 19,11% dos eleitores não compareceram para exercer o direito do voto.

Em Santos a abstenção foi de 18,08%. Foram 59.583 eleitores que não participaram do processo eleitoral. Se contarmos a quantidade de votos brancos e nulos, também não válidos, chegamos ao preocupante número de 24,14%. De 329.643 eleitores, mais de 79 mil optaram por não contribuir com a escolha de candidatos. Isso significa a ausência de um em cada quatro santistas.

Os motivos para essa evasão eleitoral podem ser muitos. A corrupção é o principal deles, apontado por pessoas com quem conversei. Os sucessivos escândalos protagonizados por políticos afastam os cidadãos da vida política, sob alegação de que todos são “farinha do mesmo saco”. As alianças políticas duvidosas, com intuito de perpetuar-se no poder, foram citadas, também, como indício de descrédito no processo eleitoral.

Afinal, por que devemos votar?

Este foi o oitavo sufrágio consecutivo para escolha de prefeitos e vereadores, após a obscura Ditadura Militar no país (1964-85). No período já elegemos seis prefeitos diferentes, dos mais variados perfis. De experientes a jovens, de técnicos a políticos, de promissores a comprovados. Se as escolhas foram corretas ou não, fica a critério de cada cidadão. O mais importante é que nós, santistas, fomos responsáveis pela definição de quem comanda a Cidade.

Durante os 20 anos sem autonomia eleitoral, o povo santista sonhava com a possibilidade de decidir quem seriam seus representantes na condução do Poder Público. Alguns perderam a vida, outros perderam familiares. Uns foram torturados, outros foram perseguidos. Todos, lutando pelo ideal de participar de forma ativa da vida política da Cidade, do Estado, do País.

O que percebemos hoje é a banalização do voto. Tornou-se apenas uma obrigação, não é tratado como ferramenta de mudança social. Os cidadãos buscam qualquer tipo de assunto para conversar, desde que não envolva política. Preferem temas individualistas, voltados ao consumo desenfreado e insustentável. É alarmante a evolução deste sentimento de ojeriza em relação às Eleições.

Os partidos políticos deveriam ser os responsáveis pela organização destes movimentos de conscientização do voto, mas preferem negociatas para determinar quais cargos podem arregimentar no próximo pleito. Omitem-se em fazer política durante todo o tempo, limitam-se apenas ao período eleitoral, o que é visto como oportunismo pela população.

Daqui a dois anos teremos novas eleições, desta feita para decidir quais serão os comandantes nos níveis estadual e federal. Espero, de forma efusiva, que nossos cidadãos participem de forma ativa e ajudem-nos a escolher os melhores representantes para mais quatro anos.

Os filhos estão indo embora


Em tempos de pré-sal e proliferação de arranha céus luxuosos, a política habitacional implementada em Santos, na última década, impediu a fixação de nossa juventude na cidade, ao contrario do que se poderia imaginar.

Neste processo, existem algumas incoerências a serem tratadas. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no período de 2000 a 2010, a população de Santos teve acréscimo, somente, de 1.417 habitantes. Significa aumento populacional de 0,4%, bem abaixo da média nacional (12,5%) e estadual (11,6%). No entanto, o Banco de Dados do SUS (DATASUS) indica o nascimento de 54.264 pessoas na cidade, contra 39.150 óbitos no período. Em um cálculo simples, caracteriza-se aumento populacional de 15.114 habitantes.

Então, para onde foram os cidadãos que nascem santistas, mas que aqui não ficam?

O crescimento vegetativo, a diferença entre nascimentos e mortes, foi compensado pelo saldo migratório, como bem ensina o professor Daniel Vasquez, organizador do livro “A questão urbana na Baixada Santista”. A obra esmiúça informações demográficas e demonstra a estagnação populacional em Santos. A hipótese apresentada é que ocorreu fluxo migratório na Baixada Santista, com os cidadãos rumando em direção à Capital ou outras regiões do Estado.

Na década de 90, a justificativa para o êxodo da população santista era a diminuição da oferta de empregos no Porto e, também, no Polo Industrial de Cubatão. Passados vinte anos, a situação é outra! Apesar da perspectiva de crescimento econômico, o mercado imobiliário e as políticas públicas acabam por expulsar a juventude da cidade, especialmente os jovens com menor poder aquisitivo.

Desde o início do chamado boom imobiliário, 80% dos novos empreendimentos foram construídos nas áreas mais nobres da cidade. Somente 6% de novas construções ergueram-se na Zona Noroeste e nos Morros. Estes dados apontam a permissão de acesso aos novos apartamentos apenas às famílias de alto padrão econômico. Este perfil de crescimento obriga famílias menos abastadas financeiramente a procurar áreas menos valorizadas, empurrando os que ocupavam as regiões intermediárias para imóveis ainda mais distantes, fora dos limites da cidade quase sempre. Assim, explica-se o grande crescimento populacional nas demais cidades da Baixada Santista.

A lógica do mercado imobiliário é o lucro. Com isso, o Plano Diretor do Município precisa ser reavaliado com extrema urgência. Por meio de coeficientes de aproveitamento por tipo de imóvel e região. Pode-se incentivar, por exemplo, a construção de moradias de padrão médio e popular, atendendo as necessidades da população, cujos rendimentos médios são de R$ 1.715,00 por pessoa. Cabe, portanto, à classe política fazer as escolhas certas.

O quinto dos infernos de novo!


A chegada de Pedro Alvares Cabral ao litoral brasileiro, em abril de 1500, representou para Portugal grande feito, em relação às disputas com a Espanha entorno dos territórios descobertos no Novo Mundo. No período inicial, portugueses dedicaram-se ao extrativismo do pau-brasil, valiosa madeira cuja tinta vermelha era comercializada na Europa. Tempos depois, veio o Ciclo do Ouro, com a descoberta de grandes jazidas do precioso metal nas Minas Gerais.

Para defender os interesses econômicos, a Coroa portuguesa instaurou imposto sobre a extração do ouro. A cobrança era de 1/5 de todo o minério extraído em terras brasileiras, ficando a taxa de 20% chamada de “quinto”. Tal como nos dias de hoje, a população esbravejava contra essas iniciativas, eternizando a expressão “quinto dos infernos”.

Daqui, os portugueses extraíram madeira, cana de açúcar, café, algodão, ouro e inúmeras outras riquezas, porém não ficaram ricos. Utilizaram os recursos para pagar bugigangas adquiridas na Inglaterra e garantir proteção militar. Portanto, uma relação nem um pouco alvissareira. A história é importante para que não cometamos os mesmos erros do passado. O aprendizado nos demonstra como podemos construir um futuro mais seguro.

Vivemos a expectativa de um novo ciclo de exploração de riquezas naturais. As bacias de petróleo e gás do pré-sal são promissoras e poderiam servir de impulso à construção de uma nova nação. Pena que a Câmara dos Deputados não pense desta forma. Ao invés de canalizar os vultosos recursos para áreas como educação, optaram pela decisão de pulverizá-lo. Caem, assim, no mesmo erro dos países árabes. Poderiam seguir o belo exemplo da Noruega, que utilizou a riqueza na valorização das pessoas e investiu no conhecimento.

Ao tomar esta decisão, nossos representantes optam pelas obras faraônicas, em detrimento do saber. Agem como colonizadores da idade moderna, que sugam nossas riquezas, nos empobrecem e nos privam do desenvolvimento. Resta-nos esbravejar com os deputados, evocando a prática dos nossos antepassados de mandar tudo para o quinto dos infernos.