Misticismo ou Ciência

Edward A. "Doc" Rogers/Oakland Public Library

Durante a Gripe Espanhola surgiram tratamentos considerados "infalíveis".

Segundo os cientistas, a espécie humana teria surgido há uns 350 mil anos no leste da África. O Homo sapiens, como ficou sendo chamado o que é o homem moderno de hoje, é o resultado de uma longa evolução biológica e social que se espalhou pelo Mediterrâneo, depois para a Ásia, até alcançar as Américas, o que aconteceu há, aproximadamente, 50 mil anos.


A ciência teve origem na Grécia. Foram os gregos os primeiros a iniciarem as práticas científicas. O que existia antes era o conhecimento de um pequeno número de fatos, que sob um olhar, via de regra, místico, era privilégio de uns poucos. Apesar dos gregos terem o reconhecimento desse mérito, ao proclamarem a liberdade da investigação intelectual, essa ainda era uma ciência especulativa e sem objetividade e que só veio a tomar um sentido prático por conta dos romanos, aí sim, quando o homem começou a compreender as possibilidades de domínio da natureza, da interpretação dos fenômenos naturais , da organização de leis e criação de condições que lhes facilitassem a vida. Tudo passou a acontecer muito rápido, o que fez com se reduzisse o tradicionalismo místico e ampliada a interpretação objetiva dos fenômenos.


Mas foi no início do século XVI com a ciência moderna, é que se conseguiu articular o método de observação e experimentação ao uso de instrumentos técnicos, principalmente com a invenção do microscópio e do telescópio. Era o ápice de uma época que se definiu como o Renascentismo. Era o final do feudalismo e início do capitalismo. Aqui vale um parêntese. Se tiverem a oportunidade, visitem a Itália, a capital renascentista, e conheçam, especialmente, Florença e Pádua. 


Juntando os parágrafos. O homem moderno surge há 50 mil anos e a ciência moderna há uns 500 anos. Se imaginarmos esses 50 mil anos representados em um dia, portanto, em 1440 minutos; à ciência corresponderia 14 minutos e meio, tempo suficiente para duplicar a expectativa de vida de nossa espécie. À ciência e aos cientistas, nossa reverência pelo desenvolvimento tecnológico e pelos ganhos de novos saberes em evolução permanente. 


Em uma dessas viagens, chegando a Paris, deixei as malas no hotel e, rapidamente, andei alguns quarteirões para encontrar o Instituto Pasteur; um prédio majestoso em estilo neoclássico, que é a representação viva da vitória da ciência sobre a doença. Logo à frente, em sua alameda principal, está instalada a escultura de nome “a mordida”: o menino Joseph Meister sendo mordido em 1885 por um cão rábico. Uma homenagem ao primeiro caso de cura da hidrofobia. Sob a liderança de Pasteur, na “cidade luz”, vencemos a raiva, a difteria, o tétano, a tuberculose, a poliomielite, a gripe, a febre amarela e a peste bubônica.


No século passado, no final de setembro de 1918, passageiros desembarcando de um navio britânico vindo de Lisboa, trouxeram a doença que se passou a chamar gripe espanhola (que ao contrário do que pensamos, surgiu na Filadélfia, nos Estados Unidos). De acordo com os historiadores, as autoridades brasileiras da época demoraram a agir: medidas de prevenção e de distanciamento social só foram tomadas quando a pandemia já acometera grande parte da população. Pesquisas da Fiocruz indicam que entre outubro e novembro de 1918, 65% da dos brasileiros contraíram a doença. Só no Rio de Janeiro foram 14 mil óbitos. Dentre as pessoas que adoeceram estava Rodrigues Alves, que chegou a ser eleito do presidente do Brasil mas morreu antes de sua posse. Sem vacina, surgiram os tratamentos considerados “infalíveis” e para nós hoje os mais estranhos possíveis. “Pitadas de tabaco, balas de ervas e tônicos; alfazema queimada ou incenso para “limpar o ar” e, até, a ingestão de sal de quinino, antigo remédio usado para o tratamento da malária, que, sem qualquer comprovação de sua eficácia, sumiu das prateleiras.


Tem-se notícia que, em 1919, uma CPI no Senado foi instaurada por conta dos desmandos presidenciais, mas se passaram pouco mais de cem anos e os recursos, decursos e agravos de instrumentos solicitados por sua defesa ao Tribunal Superior de Justiça ainda não permitiu que os “órgãos colegiados” chegassem a uma conclusão sobre o caso. Mas, apesar das centenas de testemunhas ouvidas e milhares de óbitos documentados os prazos processuais estão correndo e as autoridades afirmam esperar concluí-lo, no máximo, até 2090.


Nota: Este último parágrafo naturalmente, não é verdadeiro; foi uma ironia. Mas os anteriores, acreditem ou não, correspondem aos fatos.

 

 

 


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