BERIMBAU
Que fomos um país escravocrata, que mais escravizou gente e
por mais tempo, ninguém tem dúvida. Mas que continuamos a ser um país
escravocrata, em sua forma moderna, disfarçada por leis criadas por poucos e,
portanto, em privilégio desses poucos, alguns resistem ainda a admitir.
Basta visitar as cadeias e os presídios brasileiros, ou
ainda, visitar as periferias de nossas cidades, locais onde o poder público
passou de passagem e não deixou rastro, onde a maioria de nossa população vive
com pouco ou quase nenhum acesso a educação e a saúde de qualidades, quanto
mais de esporte, cultura e lazer.
Tudo bem. Você não quer visitar presídios. Eu entendo.
Realmente é uma experiência muito desagradável. Como médico, já fui em alguns
deles, e, confesso, foi horrível testemunhar a existência de seres humanos em
situações tão degradantes.
Então visite a página eletrônica do IBGE – Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística. Os números não metem. 51% de nossa
população é formada por pretos e pardos. Os nossos negros!
Em 350 anos de escravidão explícita, foram quase 5 milhões
de negros, vindos especialmente de Angola, comercializados em praça pública e
levados para trabalhos forçados nos campos de cultura da cana de açúcar e café.
Nenhum outro lugar do mundo recebeu tantos escravos!
Mas os humanos nasceram para serem livres, por isso,
escravizados resistiram e continuam a resistir.
Resistiram fugindo dos engenhos, das fazendas e das minas.
Formando comunidades nas florestas, os quilombos, onde preservavam suas
culturas e seus costumes originários.
Nesse movimento de resistência foi surgindo a capoeira, uma
forma de defesa pessoal. Mas como eram proibidos de praticarem qualquer tipo de
luta, a música foi utilizada como uma maneira de disfarce, fazendo com que se
passasse por uma dança. E aí nós temos o berimbau ditando o ritmo e o estilo do
jogo ou da dança, como queiram.
A capoeira foi considerada crime até 1937, e só então
legalizada por Getúlio Vargas, quando o Mestre Bimba abre sua primeira
academia, o Centro de Cultura Livre e Luta Regional, em Salvador – Bahia.
Daí por diante, a capoeira foi considerada “Bem Cultural”
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, em 2008. E, em
novembro de 2014, recebe o título de Patrimônio Cultural Imaterial da
Humanidade pela UNESCO – órgão da ONU – Organização das Nações Unidas.
Enquanto isso o berimbau seguia ditando ritmos e cadências. Não só
na capoeira, mas desenvolvendo seus próprios caminhos, chegando ao inusitado de
ser incorporado como uma das armas melódicas do rock pesado do Sepultura de Max
Cavalera.
Mas foi Naná Vasconcelos, eleito oito vezes
o melhor percussionista do mundo pela revista americana Down Beat e
ganhador de oito prêmios Grammy (brasileiro
com mais prêmios Grammy), e Airton Moreira, considerados dois dos maiores
percussionistas do mundo, em todos os tempos, que
apresentaram o berimbau para o mundo. Nessa esteira, segue a Orquestra de
Berimbaus do Morro do Querosene, no Butantã, em São Paulo, sob a batuta do
Mestre Dinho Nascimento, músico percussionista, compositor e arte educador e
tantas outras e tantos outros pela Bahia, Pernambuco, Rio de janeiro e pelo
Brasil a fora.
A capoeira é do mundo. O berimbau é
do mundo.
A escravidão foi nossa, e continua
sendo nossa. E é um sério problema que a sociedade brasileira ainda terá que
resolver. E nós vamos resolver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário