O POVO É O ANFITRIÃO

 

                Dia 19 de junho de 2021 ficará marcado por termos atingido 500 mil mortos pelo coronavírus. Luto, sofrimento e angústia, foram os sentimentos vividos por mais da metade da nossa população. Os que ficaram órfãos, viúvas, sem o amigo, a mãe, o vizinho, ou aquela pessoa que admirava, o professor da escola, o pastor ou o padre, o líder comunitário; enfim, o sentimento de perda tem sido grande e doloroso. O de impotência também. Não à toa, 93% querem ser vacinados imediatamente. Foi o que mostrou uma pesquisa realizada pela companhia global Ipsos, denominada “Covid-19 Vaccination Intent”, publicada recentemente, que revelou a intenção da esmagadora maioria da população brasileira em se se vacinar contra a covid-19 o quanto antes.

                Assim, o brasileiro está descobrindo que não basta ter esperança e esperar, que temos que construir a nossa realidade, fazendo do luto um verbo conjugado no presente do indicativo. Ainda que o verbo descobrir esteja sendo conjugado no gerúndio, o inverno chegou impondo-nos a necessidade de nos aquecer com a energia transformadora da indignação por uma terceira de onda que grande parte dos especialistas afirmam que deve acelerar o número de óbitos. O Médico epidemiologista do Hospital Universitário da USP, Marcio Sommer Bittencourt é enfático ao declarar que não temos “perspectiva positiva” e que, segundo as projeções do Instituto de Métricas em Saúde da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, o Brasil poderá contabilizar quase 730 mil mortes por covid-19 até o final de setembro. Isso não é trivial. Não são jogos de palavras, disputas políticas mesquinhas.

                É o mesmo que chover no molhado dizer em que time o Presidente da República Jair Bolsonaro está jogando; não é o do brasileiro. Como não bastasse as bravatas ditas diariamente para embaçar uma realidade tão cruel, faz gol contra à ciência e os profissionais de saúde. Se nada fizesse ou quieto ficasse, seria menos pior. Sem liderança ou coordenação nacional, cabe a nós, profissionais, líderes comunitários, militantes de movimentos sociais ou de partidos políticos, chamar a população à ação.

                Na década de 1980, os estudantes, os trabalhadores, dos pobres à classe média; organizações da sociedade civil e sindicatos, todos nós fomos para as ruas. Reconquistamos a democracia formal, voltamos a eleger prefeitos, governadores e o presidente do País; tivemos de volta a liberdade de expressão e de imprensa. Naquele momento minha geração estava na rua, lutando por cada tijolo, por cada metro de chão.

                Mas não fizemos o dever de casa como deveríamos ter feito. Passamos três décadas e nos dispersamos; conquistamos o espaço e não o mantivemos. Não nos organizamos. Nos embrenhamos em uma sociedade de consumo e nossa felicidade passou a ser ditada pela moda. Deu no que deu. O que está dando. Num barco à deriva.

                Gerações se passaram, da felicidade de consumo anestesiante, chegamos ao luto de lutar; e, mais do que nunca, a poesia revolucionária de Geraldo Vandré se faz necessária, “vem vamos embora, que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”. Sejamos os anfitriões de nossas vidas. “Um novo tempo começou, apesar dos perigos”. O povo na rua é a única certeza de que podemos mudar e construir uma nova história, com presente e com futuro.

21 de junho de 2021 - Marcio Aurelio Soares


Nenhum comentário: