Mortes Invisíveis

Discorrer sobre morte não é um tema que agrade a ninguém. É sempre dramático, especialmente, quando perdemos um amigo ou um familiar. Recentemente, vivemos um luto nacional, a tragédia de Santa Maria, quando 239 jovens morreram onde deveriam estar se divertindo. A queda de um avião, é outro exemplo, por sua magnitude e a forma com que acontece, também tem uma capacidade enorme de nos atingir emocionalmente.

Como médico, não vou abordar apenas a morte e as tragédias, mas sim como preservar a vida  e como evitá-las, e, especialmente, as mortes invisíveis, aquelas que não são mostradas na TV.

Morrem crianças, diariamente, sem que tenhamos conhecimento dessa realidade. Em São Vicente, 101 crianças morrem antes de completar o primeiro ano de vida, o que significa dizer que temos na Cidade uma Taxa de Mortalidade de 19,13 por 1000 nascidos vivos, o que nos envergonha. Só a título de comparação, a Taxa de Mortalidade Infantil do Uruguai é de nove crianças por mil nascidas vivas. Da Jordânia e da Arábia saudita, lugares em permanente conflito, de 16.


Dessas 101 crianças, os números mostram que 80 delas perdem a vida por condições inapropriadas durante a gestação, o parto, e seus primeiros dias. São perdas que não vemos, mas que nos atordoam quando conhecemos, especialmente, quando temos dimensão dessas perdas. Mas, ao contrário, se ao invés de nos lamentarmos, arregaçarmos as mangas, teremos condições reais de reverter esse quadro em muito pouco tempo.

Se 101 crianças falecem antes de completar o primeiro ano de vida, concluímos que temos pouco menos de nove óbitos por mês na Cidade, os quais, como disse antes, 80% são evitáveis, ou seja sete óbitos são passíveis de serem evitados !

Mais ainda, se considerarmos que a cidade tem uma Taxa de Natalidade em torno de 15,61 por mil, ou seja, que nascem em torno de 5270 crianças por ano, concluímos que temos pouco menos de 15 partos por dia.

Sem querer ser prolixo ou muito técnico, esse artigo serve para mostrar que mortes invisíveis, não mostradas para o grande público, acontecem nas nossas barbas, mas que ações, muitas vezes simples, podem ser tomadas para reverter esse quadro.

Se acontecem 15 partos por dia, estes tem que ser monitorados quanto à sua qualidade e o município tem que oferecer condições compatíveis com esse momento, tão importante na vida de uma mulher e de sua família. Se existem gestantes, essas futuras mães precisam ter seus endereços conhecidos e acompanhadas mês a mês por uma equipe multiprofissional, de modo a manterem uma gestação saudável e benvinda.

São tarefas difíceis de serem implementadas, mas não tanto quanto enterrar os mortos. Conhecer a dinâmica do adoecimento e reconhecer nossos equívocos dando transparência aos números é o primeiro passo para uma revolução pela vida que tem que acontecer já.

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